quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Mensagem da Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação

A expressão artística das pessoas com deficiência deve cada vez mais ser vista não apenas na sua função terapêutica (cujos méritos são indiscutíveis), mas antes como um exercício de criatividade ou tão somente de cidadania.
A acessibilidade ao acto artístico tem de ser um direito de todos, independentemente da sua condição sensorial ou física. Toda a acção neste domínio por parte das entidades responsáveis aos mais diversos níveis terá de se basear sempre neste pressuposto. É por isso que não posso deixar de me congratular e de congratular os organizadores, todos os outros que se associaram a esta iniciativa, e em particular os artistas pelo excelente projecto que se revela este Corda Bamba-Tightrope-Funambule. A Câmara Municipal de Cascais, a Comissão para a Pessoa com Deficiência do Concelho de Cascais e o Instituto Nacional para a Reabilitação, ao nos presentearem com as diversas vertentes deste projecto, desde a criação à edição, passando pela exposição, tornam os nossos dias e, por maioria de razão, os das pessoas com deficiência, mais inclusivos e mais belos.


Idália Moniz


Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação

Mensagem da Câmara Municipal de Cascais

Em parceria com a Comissão para a Pessoa com Deficiência do Concelho de Cascais, a Câmara Municipal de Cascais tem afirmado a importância da inclusão das pessoas com deficiência ou incapacidade, na promoção de um Concelho para Todos.
Paralelamente à promoção das acessibilidades, à inserção profissional e ao acesso a equipamentos e actividades culturais, desportivas e de recreação - factores determinantes a uma participação e cidadania activas -, também o reconhecimento do trabalho e valor artístico das pessoas com deficiência ou incapacidade constitui um factor de manifesta relevância à referida inclusão.
Neste sentido a participação desta Comissão em diversas edições da FIARTIL, a promoção em 2007 da 3ª edição da Exposição Coincidências e a edificação de um mural de autor no Centro de Interpretação Ambiental da Ponta do Sal, revelam claramente o potencial artístico e o compromisso para com estes artistas.
E porque de artistas se tratam, o Projecto Tightrope - Na Corda Bamba, que assinala as comemorações do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência em Cascais - 2008, ganha particular relevância ao apresentar numa mostra conjunta de artes plásticas, trabalhos de autor, que não estão catalogados pela sua maior ou menor condição de deficiência, mas apenas pelo seu valor artístico. Os trabalhos foram seleccionados por dois Comissários, com base em critérios exclusivamente artísticos e apresentam a todos a natural diversidade de olhares dos seus autores.
O convite à visita a esta Exposição é pois um convite ao reconhecimento do valor artístico de todos os autores presentes nesta iniciativa.


Com os melhores cumprimentos,
António d'Orey Capucho
Presidente da Câmara Municipal de Cascais

Mensagem da Comissão para a Pessoa com Deficiência do Concelho de Cascais

A defesa dos direitos da Pessoa com Deficiência do Concelho de Cascais - uma das primeiras finalidades subjacentes à criação da Comissão para a Pessoa Com Deficiência do Concelho de Cascais, em 1988 - é um objectivo que não se concretiza apenas à força de muito o desejarmos. Podemos dizer que a grande aposta e determinação da Câmara Municipal de Cascais em conjunto com as entidades da CDP, têm promovido de forma consistente a igualdade de oportunidades, num esforço concertado ao longo dos últimos 20 anos.
São muitas as iniciativas de âmbito cultural a que a CPD se tem associado, gerando impactos muito positivos e encorajadores e que agora culminam nesta Exposição Inclusiva de Artes Plásticas, intitulada Tightrope – Funambule - Corda-Bamba.
Nesta iniciativa, gostaríamos de destacar a qualidade dos trabalhos e o comissariado independente da Dra. Sara Bahia e Dr. João Moreno, que para além da exposição de artes plásticas na Cidadela de Cascais enriqueceram este evento com a publicação de um catálogo, de um “site” e de uma brochura que reúne vários textos teóricos na área da criatividade, que muito irão contribuir para a divulgação, reflexão e seriedade das obras e dos autores que aqui divulgamos.
É com manifesto orgulho que assinalamos, com este evento, o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, no Concelho de Cascais.


Rosa Neto
Presidente da CPD

Mensagem do Instituto Nacional para a Reabilitação

Ontem dei comigo sem saber o que fazer. Tenho um problema e toda a liberdade para o resolver.

Não sei por onde começar. Apelo à criatividade sem saber o que é o processo criativo.
Quero ter a ousadia de experimentar, quero sair do conjunto caótico que é o meu problema, para uma linha estável, única e compreensível.

Tenho um problema e estou na corda bamba. Rigorosamente.

Criatividade parece que é um processo, mas estará sempre presente quando preenchemos espaços de aprendizagem, quando identificamos a desarmonia, quando buscamos soluções e somos capazes de construir uma resposta e de a comunicar.
Mas as ideias são frágeis e muitas vezes mal entendidas.

Recombinando palavras como quem combina objectos, cores e sentimentos chega-se a um produto novo que pode resolver o meu problema. O meu desequilíbrio.

Estamos perante um projecto que inclui uma exposição como primeira resposta a um desafio para uma sociedade onde todos contamos.

Contamos as histórias das maneiras diversas, reflectindo a diferença que temos em nós.
Somos felizes quando essa diferença nos torna melhores, quando valorizamos o imprevisível e quando identificamos num risco tudo o que ainda há para construir.


( gosto do título Tightrope e gosto da última frase “o projecto está aberto a outras parcerias”. Quem é que nunca esteve na corda bamba?).

Luísa Portugal
Directora INR
Novembro 2008

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Editorial

Ao procurar o necessário equilíbrio para alcançar a sua intenção, o funambule experimenta tensão por sentir que o suporte que percorre ora parece uma corda bamba ora uma tightrope.
A intenção da presente compilação de textos pretende ser uma fusão de sensações, percepções, representações, interpretações e reflexões sobre os conhecimentos teóricos e práticos de um grupo de especialistas nas áreas da educação, da pintura, da literatura, do teatro, da música e da psicologia.
O mote lançado centrou-se na trilogia Corda Bamba –Tightrope – Funambule que encerra em si mesma três binómios: Equilíbrio-Desequilíbrio, Tensão-Intenção e Fusão-Difusão. Solicitou uma reflexão escrita em torno do entrecruzamento das seguintes ideias:
1. A tensão necessária na busca de intenções, que é parte integrante na gestão do potencial criativo;
2. O equilíbrio e o desequilíbrio inerentes ao riscos, metas e desafios do acto criativo;
3. A fusão e a difusão da diversidade cultural.

A diversidade de perspectivas e de expressões resultou numa dança em redor de “O des(equilíbrio) na tensão criativa”. O fio condutor da reunião de olhares parte de uma expressão de sentimentos e de pensamentos de quem orienta a expressão criativa de artistas portadores de deficiência mental e permite que tais artistas giram as suas tensões e intenções, equilíbrios e desequilíbrios e dêem expressão ao fluxo criativo, de forma a que a sua difusão seja possível.
A tensão fenomenológica entre o sujeito de uma visão e o objecto na sua condição de coisa vista, entre a imagem como verdade ou como mentira , entre o desígnio, a intenção e o ritmo, é motivo de um ensaio retórico sobre a intencionalidade humana: considerar desinteressadamente algo como sendo belo.
Shakespeare serve de pano de fundo para os exemplos da literatura que mostram como criadores, criativos, personagens e leitores assumem os riscos das cordas bambas estendidas sobre as aporias da vida, pois o acto criativo é em última análise um salto mortal sobre o vazio.
Não sendo a fala a única forma de linguagem, os rastos e marcas dos artistas que falam por “outras palavras” e inventam novos usos e significados para as linguagens são o reflexo da expressão do que é viver na “corda bamba” e de comunicar o universo pessoal.
A representação dos binómios como dicotomias e a subsequente transformação das dicotomias em binómios reflectem caminhos epistemológicos que explicam despertares adormecidos da ciência e exploram possibilidades para o despertar da “Ciência Nova” flexível e criativa que permita trabalhar, com rigor, confiança e elegância, na corda bamba.
A abertura à diversidade e a utopia de um espaço onde caibam todo o tipo de expressões e de manifestações da criatividade humana só surge com a criação de intervenções específicas que promovam a autonomia de pensamento e liberte a postura passiva e pouco crítica que nos limita.
Daniela Gomes, Nuno Quaresma, Miguel Freitas, Marijke Boucherie, Domingos Morais, Maria João Afonso e Carolina Correia foram os protagonistas da abertura de caminhos explicativor e reflexivos acerca das formas como um funambule pode gerir a tensão que experimenta ao procurar o equilíbrio necessário para alcançar a intenção que se desvenda quando percorre uma corda bamba que por momentos parece uma tightrope.

Sara Bahia e João Moreno

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Da Criação Artística

Da criação artística

Daniela Gomes
Atelier de arte e Criatividade da CERCICA

Estabelecer uma relação com o outro, consigo próprio, com o mundo. Esta é uma função essencial da criação artística, mas assume particular relevância quando o artista está mais limitado nas suas capacidades de comunicação. Assim, a arte permite relações e partilhas que dificilmente se estabeleceriam de outra forma.

Tem sido esta a minha experiência ao longo dos últimos sete anos de trabalho no Atelier de Expressão Plástica da Cercica. Estarmos verdadeiramente presentes, em diálogo constante com os artistas é, a meu ver, a chave para a construção de um trabalho consistente, em que o processo criativo se estrutura e se consolida, repercutindo-se para lá do território estrito do trabalho criativo e do espaço físico do atelier. Deste modo, a arte pode ser o ponto de partida para uma série de conquistas afectivas, relacionais, intelectuais.

A possibilidade de mostrar o resultado do trabalho desenvolvido é o culminar desta experiência, fundamental para encorajar nos artistas um sentimento de valorização pessoal. Daí a particular importância da exposição Tightrope. Salientamos o seu carácter inclusivo, o espaço privilegiado da Cidadela de Cascais e o trabalho dos comissários, Dra. Sara Bahia e Dr. João Moreno, que têm reflectido profundamente sobre a criatividade e a expressão artística dos nossos autores. A eles o meu muito obrigada.

Daniela Gomes
Atelier de Arte e Criatividade da Cercica

domingo, 9 de novembro de 2008

Ars Vitae … over a Tightrope

A Arte de Viver… em cima de uma Corda Bamba


A arte de viver, arte que é vida, modo de pintar, modo de estar na vida. Todas estas são formas lícitas de nos aproximarmos do percurso dos jovens Autores que vivem e laboram nas Oficinas de Artes da Fundação afid Diferença.

- Tão grande e bonito!
- Temos lanche na Inauguração?
- Eu carrego as telas…
- Posso levar o Diário para a praia? Emprestas-me a tua caneta para fazer um desenho?


Podes… Deves… É já a tua identidade. Esta rotina é o ar que respiras, o ar que respiramos.

Eis o eixo nuclear sistémico do trabalho artístico realizado nos nossos fóruns de pedagogia e educação. Uma identidade individual e colectiva, um habitat e uma atmosfera própria (com exalações de terbentina e óleo, bem ventiladas, claro! ), cheia de tintas, cavaletes, uma logística sofisticada (que culmina numa galeria/ montra on-line:
www.fund-afid.org.pt) que reforça e sustenta uma representação deste ofício no real, onde obras por vezes oníricas, emotivas, noutras racionais, quase sempre com destinatário, são alicerce e interface para um mundo… real.
Real no sentido de que não se alimenta apenas de expectativas. Concretizam obras, nela carregam significado, dela retiram fruto e com ela arrepiam caminho, com um imenso prazer.

“ Ars longa, vita brevis, occasio praeceps, experimentum periculosum, iuditium difficile” 1
1 Tradução para latim de um aforismo atribuído ao médico grego Hipócrates (
Cós, 460Tessália, 377 a.C.)

A propósito do real e das representações e a propósito da nossa natural e salutar tendência para uma boa auto-representação, nesta nossa Ars Vitae, Arte de Viver, existe também lugar para a reflexão, e hoje, cruzados que estão 10 anos de apoio incondicional a jovens Autores com Necessidades Especiais importa fazer uma reflexão, fazer o Estado da Arte sobre o globalidade desta intervenção.
Para isso é importante que nos voltemos a centrar na Visão que é Nadir e em simultâneo Zénite do nosso trabalho – uma Inclusão Positiva e Sustentável.

Ars longa, a Arte dura… e as colecções, produzidas pelo colectivo de Autores integrado na Fundação afid Diferença, compõem espólio e riqueza duradouros, património de Empresas, Instituições e Particulares, podendo hoje, quem tem acompanhado este amadurecimento inclusivo, esperar que estes agentes desempenhem o seu papel natural na valorização do que lhes pertence. Cumpre-se assim a condição mínima para a compreensão destas obras – a sua sobrevivência.

Vita brevis… Mas a Vida é breve… e poderão estes Autores colher em pleno os frutos desta participação? Poderá este trabalho manter a sustentabilidade para além de todas as conjunturas? Proteger? Empreender? – é relevante que encontremos estratégias e respostas e no espaço útil de uma vida.

Occasio praeceps, As oportunidades são passageiras… e o sucesso das iniciativas que hoje ultrapassam qualquer filiação institucional local e que cada vez mais ganham um cunho global, transnacional, são oportunidades essenciais e imprescindíveis.
Nestas destacam-se as comissionadas de forma independente e profissional, caracterizadas por novos posicionamentos e perspectivas em relação a esta arte. Esta nova abordagem será talvez o melhor catalizador para a carreira dos Autores e para a legitimação da sua Obra. Efémeros no tempo, é importante marcar estes eventos como referências e balizar alguma da nossa (enquanto pedagogos e organizadores) actuação pelos novos paradigmas que estes estabelecem.

Experimentum periculosum, a experiência é contudo tortuosa e incerta e enquanto, por um lado, se colhem boas práticas e outros sinais de mudança, por outro ainda há muitos muros e obstáculos interpostos entre esta arte e sua plena integração.
O circuito galerístico continua a estar vedado, apesar de felizmente um pouco mais seduzido, e muitas das iniciativas de sucesso operam-se graças ao seu pendor social e solidário, absolutamente meritório, mas também incontornavelmente paternalista.
Para quando a emancipação? Será esta emancipação o caminho?

Iuditium difficile, o juízo nestas e noutras questões ainda hoje não é fácil, sobretudo porque tendemos a ser juízes em causa própria.

… Over a Tightrope


Mas o caminho faz-se sobretudo caminhando e, neste caso, “over a trick wire”, em cima da corda bamba – volátil, perigosa, difícil…
Ou antes, firme, segura, confiante…
A proposta que este evento postula oscila entre estas duas posições.
Não edificará concerteza uma hipótese científica, mas é laboratório para uma nova forma de entender colectiva, independente e internacionalmente, um trabalho que, para além de tudo, se tem imposto de forma Positiva e Inclusiva.
Funambule, Tightrope, Corda Bamba, é a perfeita metáfora para o equilíbrio que todos os participantes, de um modo ou outro, procuram. Uma nova competência – não a de caminhar num caminho certo, mas a de ser capaz de cumprir outro bem mais incerto.
Sair de onde nos encontramos e chegar onde desejamos, sem perder o equilíbrio.



Nuno Quaresma
(Oficina de Pintura – Fundação afid Diferença)
Setembro de 2008
oficinadepintura.afid@gmail.com
www.fund-afid.org.pt

sábado, 8 de novembro de 2008

Tensões e Intenções da Imagem

A possibilidade de criar elucubrações à volta daquilo que na imagem pode ser objecto do discurso parece depender da capacidade de gerar no interior do próprio discurso um efeito de reversibilidade entre conceitos e categorizações. Não é possível desenvolver o conceito da universalidade de uma imagem sem reflectir igualmente sobre uma categoria que lhe seja contrária. A identidade de uma imagem não está radicada num conceito sem que esteja igualmente radicada num conceito oposto. A natureza paradoxal da imagem não é exclusiva do discurso da modernidade, iniciada por Kant na célebre discussão sobre o esquematismo transcendental e a imagem pura, ou no problema da antinomia do gosto, tratada na sua terceira Crítica.
Já Platão reflecte sobre as tensões presentes na imagem quando afirma que esta existe relativamente a um original, mas que se afasta desse original para corporizar, na sua aparência, uma natureza única. O afastamento da imagem relativamente ao seu original - a Ideia - é a condição da existência da própria imagem – uma entidade existente em si mesma, sob as condições da sua simples presença – isto é, na qualidade de aparência. Aquilo que a imagem mostra nunca é uma representação ou uma abstracção, um determinado isto ou aquilo – ela mostra uma tensão radicada no valor de aparência, isto é, como força do aparecer em presença. Em Platão é evidente o valor negativo da dimensão aparente da imagem. Se a imagem só pode existir porque única, se a sua natureza distinta é ad subjectum, isso deve-se ao facto de ela estar irremediavelmente destinada à precariedade do mundo das coisas moventes. Ela será tanto mais aquilo que é quanto mais se afastar do original que a sustenta. A ideia de mesa é sempre superior à natureza precária e aparente com que a mesa real se dá a ver enquanto imagem. Para Platão a imagem deve a sua marca distintiva - aquilo que a distingue de uma família de casos – à sua presença enquanto resquício material de uma ideia.
Com Kant o problema da imagem insere-se no âmbito vasto da produção dos juízos, sejam eles reflexivos ou determinantes – produtores ou não de conhecimento. De certa maneira os paradoxos da imagem em Platão encontram-se em Kant – já não ao nível de uma ontologia, de uma ciência do Ser, mas ao nível de uma fenomenologia, uma ciência do aparecer. Esta inflexão pressupõe necessariamente um movimento contrário das tensões implicadas na produção da imagem. É o particular que determina o universal. É a singularidade com que algo se dá a ver, isto é, com que algo se mostra enquanto imagem de si mesmo, que funda no sujeito a sua natureza transcendental. Do mesmo modo que não é possível ver duas coisas diferentes no mesmo sítio e ao mesmo tempo também não é possível ver a mesma coisa ao mesmo tempo a partir de sítios diferentes. É a tensão descontínua das coisas na modalidade do espaço - tempo que o sujeito se imagina como sujeito da imaginação. O “isto é Belo” kantiano releva a natureza superior da experiência do gosto - a experiência em presença, sendo absolutamente individual, uma vez que o seu objecto é o aparente percepcionável, é o fundamento de uma experiência que procura a validação universal sob a forma sintética de um juízo.
Esta inversão do universal relativamente ao particular reflecte que aquilo que existe sob as condições do nome “belo” vale em absoluto por si mesmo, na modalidade do existente enquanto aparente. A enunciação platónica que afirma a mentira enquanto imagem dá lugar, com Kant, à verdade enquanto imagem.
O valor de verdade atribuído pela modernidade à modalidade da aparência parte de uma enunciação performativa da visão. O “isto é belo” pressupõe um trabalho de síntese entre um isto particular e um belo tendencialmente universal. Neste sentido a imagem é o campo das tensões gnoseológicas em que aquilo que pode ser conhecido assume a dimensão de uma síntese (um juízo, qualquer que ele seja) a partir de uma fenomenologia da percepção. A enunciação “isto é uma coisa” é a formulação, em síntese, de algo que é porque se dá a ver enquanto entidade presente. O ser das coisas não existe fora de si na medida em que o ser das coisas está na sua própria aparência.
A arte não é senão a problematização ao nível da imagem de uma tensão essencial que opõe fenomenologicamente o sujeito de uma visão e o objecto na sua condição de coisa vista. Esta tensão articula de modo mais ou menos conflituoso um saber (que não é obrigatoriamente um conhecer) que parte de um ver, pondo em evidência a função de síntese da imagem na medida em que é por ela que é possível pensar o universal (um saber) contido no particular (o ver). De certa maneira as contradições entre universal e particular, sujeito e objecto, saber e ver, invisível e visibilidade são as forças de síntese daquilo a que Kant designa de imagem pura, a propósito do conceito de esquematismo. Kant entende por imagem pura - imagem não sensível - a faculdade de estabelecer uma relação entre, por exemplo, uma esfera e a circunferência que a representa. A imaginação é, com Kant, a primeira figura moderna de uma imagem que passa de representativa, reprodutora de uma ideia (a imagem platónica), para a imagem como re- -apresentação, quer dizer, como algo percebido – percepcionado – em si mesmo. O esquematismo kantiano produz, por assim dizer, a imagem da imagem, a possibilidade de algo se destacar do fluxo ininterrupto da matéria e ser percepcionado na modalidade distintiva do aparente, nos limites de uma totalidade que é igualmente uma unidade.
A faculdade da imagem é o domínio de uma tensão entre a natureza imanente do aparente e a natureza transcendental de um juízo. A faculdade da imagem é a pré-visão da união do conceito (pelo qual é possível dizer “uma coisa” ou “qualquer coisa”), com um dado da sensibilidade (com o que não é “nenhuma coisa”). É precisamente a tensão como limite que funda o distinto, distinto porque uno e único na sua aparência, ao mesmo tempo que funda o próprio sujeito como sujeito de uma intenção. Tensão e intenção: tensão como composição em presença da unidade do aparente e intenção na medida em que o aparecer como distinto é função do sujeito-de-uma-representação. Se, como já foi atrás referido, o ser das coisas não existe fora de si, a essência do sujeito encontra no aparecer-do-mundo-a-si o reflexo da sua própria essência. A essência do sujeito não é senão a intencionalidade imanente que há em ver “uma coisa” na unidade e unicidade do seu aparecer.
Para compreender a tensão como condição da imagem Kant refere o tempo como possibilidade da “presentação” da composição da unidade em geral. Isto significa que é pelo tempo que é possível repercutir fenomenologicamente a unicidade da imagem no fluxo indistinto da matéria. Perceber uma circunferência como representativa de uma esfera significa perceber a esfera como função de próprio tempo. É a natureza sincopada do tempo que dá a ver a esfera como totalidade em si mesma. Ou seja, como possibilidade de ser representada.
O tempo kantiano, considerado como condição daquilo que sendo distinto se mostra como uma totalidade – condição do aparecer da imagem – está muito próxima da ideia de ritmo enquanto elemento primeiro e irredutível que marca a passagem da matéria inarticulada à Forma. Encontramos esta analogia em autores tão distintos quanto Aristóteles ou Hölderlin. Num célebre epíteto o autor alemão afirma que tudo é ritmo; que todo o destino do homem é apenas um só ritmo celeste, assim como toda a obra de arte é um ritmo único.
Aquilo que é uma ideia investida de um efeito sobretudo literário, e portanto demasiado abstracto para que seja possível chegar a quaisquer tipo de conclusões, ganha outra dimensão quando associada à ideia de estrutura. As teorias da percepção da Gestalt têm subjacentes à ideia de estrutura uma concepção ritmada da visão. A percepção da forma como totalidade em si apenas se faz pela submissão à constante alternância com um fundo. A psicologia da forma concebe o sistema forma/ fundo como uma totalidade situada acima das partes. Forma e fundo são totalidades – unidades mínimas da percepção –, mas totalidades que apenas podem existir na relação uma com a outra.
Agamben (2003), num texto intitulado “A Estrutura Original da Obra de Arte” faz uma indagação sobre a natureza paradoxal do conceito de estrutura, citando para tal a definição dada por Lalande, na segunda edição do Dictionnaire Philosophique, e que o autor sublinha ser uma derivação do conceito de estrutura da própria psicologia da forma: o termo estrutura designa, em oposição a uma simples combinação de elementos, um todo formado de fenómenos solidários, de tal modo que cada um depende dos outros e não pode ser aquilo que é senão na, e pela, relação com eles. Segundo Agamben (2003) a natureza paradoxal do conceito de estrutura deve-se ao facto de ele se referir simultaneamente ao elemento primeiro e irredutível que habita a forma e ao mesmo a uma “qualquer outra coisa” que está para lá da própria forma, e sem a qual ela não pode ser aquilo que é. Por um lado dá-se uma regressão infinita em direcção ao elemento primordial da forma, por outro uma progressão infinita em direcção a algo que está para lá da própria forma, e sem a qual ela não pode existir enquanto tal. Teríamos assim “qualquer outra coisa” que, sendo estranha à forma é, ao mesmo tempo, o seu elemento irredutível - a cifra original -, e a que Agamben se refere como “o quantum original para lá do qual o objecto perde a sua própria realidade”.
Retomando o problema kantiano da experiência do gosto verifica-se que é precisamente ao nível do “isto é belo” que o problema da estrutura do objecto, enquanto imagem, assume uma importância decisiva na relação com o sujeito. Se a percepção do mundo nas dimensões finitas do espaço/ tempo é a objectivação imediata da essência do sujeito, na medida em que ele sabe mais do mundo do que aquilo que lhe é permitido ver (é possível saber o que é uma mesa sem estar na presença dela) e, portanto, é na finitude do mundo que o sujeito está ontologicamente destinado àquilo que sabe, a síntese categorial “isto é belo” cumpre a intencionalidade humana na dimensão pura do não- -saber. Não-saber do sujeito e estrutura do aparente aproximam-se radicalmente. Na analítica do belo Kant define quatro tipos de categorias para enquadrar o objecto da experiência estética, propondo uma definição de belo para cada uma delas. Segundo a categoria da relação o belo é a “forma da finalidade percebida sem a representação de um fim”. Para esclarecer esta definição Kant recorre ao exemplo de uma túlipa selvagem, a que se refere como a “bela forma de uma flor selvagem”, e da qual tem conhecimento através de uma descrição de M. de Saussure, no livro “Uma Viagem aos Alpes”. A forma, a “bela forma da flor selvagem”, determina obrigatoriamente, na organização que apresenta, uma finalidade. Finalidade essa que não só desencadeia como orienta o sentimento de beleza. Poder-se-ia pensar que é na representação dessa organização que o sujeito cumpre uma intencionalidade transcendental – sujeito da representação de uma organização. No entanto Kant afirma mais adiante (§42. Sobre o interesse intelectual do belo) que se a túlipa selvagem for substituída por uma imitação, e se a imitação for reconhecida enquanto tal, o interesse por ela desaparece imediatamente. Se por um lado tudo na forma da túlipa parece organizado com vista a uma qualquer finalidade, para que o interesse sobre ela se mantenha é necessário que haja qualquer coisa que igualmente se mantenha como não sabido. A túlipa apresenta uma totalidade que corresponde em si mesmo a uma finalidade, a um dessein, a um desígnio. Se a túlipa for verdadeira a organização que determina uma finalidade formal é, ela própria, desprovida de um fim. Não é possível saber porque é que a túlipa se organiza tão especificamente daquela maneira e não de outra maneira qualquer. É precisamente esta falta que possibilita a manutenção daquilo a que Kant se refere como sendo um “prazer desinteressado” – algo que cumpre aquilo que é próprio do sujeito mas que não acrescenta nenhum conhecimento sobre aquilo que é o objecto da sua atenção. A experiência desta falta absoluta, espécie de ritmo baseado numa articulação interrompida entre aquilo que é específico da túlipa (estrutura no sentido regressivo do termo) e uma finalidade qualquer ulterior (estrutura no sentido progressivo do termo), cumpre aquilo que é o próprio agir da intencionalidade humana: considerar desinteressadamente algo como sendo belo.


Miguel Freitas
Professor, Pintor


Referências Bibliográficas
Agamben, G. (2003). L’ Homme sans contenu. Clamecy: Circé.
Kant, I. (2008). Crítica da razão pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Lalande, A. (1985). Vocabulário técnico e crítico da filosofia. Porto: Rés.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Sobrevoando a Corda Bamba

Sobrevoando a corda bamba
Marijke Boucherie
Professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Existe uma passagem em Hamlet em que o protagonista se interroga sobre o valor da literatura. Tendo assistido à comoção com que um actor grita a dor tresloucada da rainha de Tróia, Hecuba, perante o corpo do marido assassinado, Hamlet espanta-se com a veracidade da representação que lhe parece mais convincente de que a realidade da sua própria dor:

Não é monstruoso que este actor aqui,
Por uma ficção apenas, um fumo de paixão,
Tenha forçado tanto a alma ao que concebeu
Que, por ela alterado, a cara lhe empalidece,
De lágrimas nos olhos e tumulto no aspecto,
A voz tolhida, e todos os actos moldando-se
na forma ao que imaginou? e tudo por nada!
Por Hecuba! (1)


Eis como, pela boca de Hamlet, Shakespeare formula um comentário possível sobre o valor das palavras, neste caso, uma cena inspirada num texto axial da literatura ocidental, a Ilíada de Homero: “uma ficção apenas, um fumo de paixão, um nada”.

Estava eu a ler este excerto com os meus alunos em 1993, quando, de repente, as palavras de Hamlet me paralisaram com a revelação de uma verdade absoluta. Num sentido muito literal fui incapaz de continuar a ler a acabei por abandonar a sala. O meu terror era genuíno: como posso eu ser professora de literatura quando eu própria me interrogo sobre a realidade da mesma? Como é que posso ensinar literatura se - naquele momento, pelo menos – ela se me revelava como insubstancial, falsa até?

Não era nenhuma teoria platónica que me fazia desconfiar da arte. Era sim a negritude da minha alma que, naquele ano, se apertou na identificação com Hecuba e com Hamlet que eu imaginava grávido do seu pai morto (fazendo dele uma mulher). Foi o que escrevi numa carta aberta aos meus alunos que li na aula seguinte: que a literatura vale a pena porque não se substitui à vida mas é parte integrante dela, pois sem palavras como podemos ter acesso à vida? Como podemos falar do passado e do futuro? Como podemos representar o “nada”? A realidade de Hecuba só se acede mesmo através do nome Hecuba.

O incidente que acabo de contar parece ter um final feliz: eis como uma professora acaba por descobrir o valor da literatura. Ou não é admissível imaginar uma professora de literatura que se interrogue acerca daquilo que ensina e que é compelida a resgatar a cada momento “a verdade da mentira que é a arte” como diz Picasso?

Admissível ou não, esta professora existe, tal como existem poetas que têm medo da poesia e que são tomados de pânico perante aquilo que fazem. Pense-se na poetisa inglesa Stevie Smith, por exemplo, que ilustrava os seus poemas com doodles de modo a afastar os críticos mais audaciosos e cujos rabiscos com linhas e letras ela própria não sabia definir. “Será que são poemas?” perguntava aos textos que simultaneamente escrevia e desenhava e onde muitas vezes falava da tensão entre o que se sente e o que se diz, entre a intenção do poeta e a tensão do poema:




A Palavra

O coração pulsa em torrentes de alegria,
Os lábios falam de seca,
Porque há-de o meu coração estar repleto de alegria
E a minha boca não?

Tenho medo da Palavra, dizê-la e escrevê-la,
Tenho medo de tudo o que é gerado e nasce;
É este medo que torna a minha alegria numa sombra. (2)

Stevie Smith (1902-1971)



Stevie Smith nasceu no início do século XX e vivia num subúrbio pouco elegante de Londres. Em criança esteve dois anos internada num sanatório e foi ali, aos oito anos, que descobriu a força da ideia do suicídio. Era fisicamente tão frágil que tinha que comprar a roupa nas secções de vestuário para crianças. Trabalhava como secretária e todos os dias, navegava de comboio entre casa e emprego até que a exaustão a obrigou a parar. “Excêntrica” os críticos chamavam-na, mas como ser “in” quando se é uma “animula, vagula, blandula do escritório”, como ela diz num poema, e se habita o Hades do século XX onde deambulam as sombras famintas dos subúrbios e dos comboios?
Os textos de Stevie Smith celebram aquilo que lá não está: gritam, sussurram, imploram, cantam e exprimem um desamparo fundamental que é sempre, e no último momento, resgatado pela energia de uma voz que percorre todas as cores do espectro tonal. Sem chão formal nem teórico para lhe dar substância, cada poema desta autora (literalmente “ímpar” porque “odd”) é um salto mortal sobre o vazio, como se apenas a repetida e compulsiva experimentação da ausência instaurasse a realidade.

A função do desenho na poesia de Stevie Smith está ligada à procura deste equilíbrio, como se a forma visual e sobretudo o próprio traço fossem necessários para fixar a natureza insubstancial das palavras e estancar a sua fluidez. Não é por isso de estranhar que a obra mais radical de Stevie Smith, um álbum de desenhos e legendas escritas na própria caligrafia (Some Are More Human Than Others de1958) tenha sido aceite por uma editora chamada Gabberbochus Press que privilegiava o livro enquanto objecto estético. Para os fundadores da casa editora, Francesca e Stefan Themersons, o conteúdo de um livro está intrinsecamente relacionado com a sua forma física: o formato, a espessura, a textura do papel ou a caligrafia são parte integrante da mensagem. A visão dos Themersons estava ligada às vanguardas europeias (eles próprios eram artistas polacos que se tinham refugiado na Inglaterra), porém também acolhiam textos que não cabiam nos circuitos consagrados do mercado da arte. Daí terem escolhido o nome de Gabberbochus para definir o seu projecto, pois gabberbochus é a tradução latina de Jabberwocky, título do famoso poema de “nonsense” de Lewis Carroll. Os Themersons perceberam a relação existente entre a arte da vanguarda do século XX e a tradição inglesa da literatura de nonsense do século XIX que foi inaugurada por Edward Lear quando, em 1846, publicou o seu primeiro A Book of Nonsense.


Ilustrador, aguarelista e pintor paisagístico de profissão, Edward Lear não ficou famoso por causa da sua obra pictórica mas sim pelos versos ilustrados para crianças que publicava copiosamente sob o álibi de “nonsense”. Em 1846 “nonsense” ainda tinha o significado seguro de “disparates, coisas não sérias” e serviu na perfeição para acolher tudo aquilo que, fora deste contexto, ainda não podia ser dito ou visualmente representado. Tão “modernos” eram os desenhos de a A Book of Nonsense que, na altura, houve quem os julgasse demasiado violentos e não apropriados para crianças. Quanto aos versos, a brincadeira com ritmos e rimas acolhe, impune, cenas extremas que anunciam a futura literatura do absurdo:










There was an Old Man of Cape Horn,
Who wished he had never been born;
So he sat on a chair,
Till he died of despair,
That dolorous Man of Cape Horn.

Edward Lear, A Book of Nonsense (1846)



A mensagem inerente ao título “A Book of Nonsense” criou, por assim dizer, um espaço para a outsider art do século XIX, quando expressões artísticas consideradas extravagantes só podiam existir ao nível do cómico ou da fantasia. Um livro como Alice no País de Maravilhas, por exemplo, que denuncia a radical arbitrariedade da linguagem e as regras subjacentes à comunicação (e possibilite talvez dizer o que não pode ser dito, como o amor de um homem por uma rapariga?), foi denominado de “nonsense” porque se tratava de um conto de fadas, Alice in Wonderland.

Existe algo de reconfortante na literatura do século XIX ( antes de Freud, antes do domínio da terminologia psicanalítica do século XX e XXI) onde personagens singulares ainda podem viver na liberdade da sua excentricidade e desempenhar um papel na sociedade. O mais sedutor é talvez Mr Dick, uma das muitas personagens secundárias que habitam o romance de Charles Dickens, David Copperfield (1850). Recorda-se que David Copperfield é a autobiografia da personagem do mesmo nome que, numa grande visão retrospectiva, conta como se transformou de um menino abandonado num autor de sucesso. A sua história é obra de quem domina as palavras e sabe alinhá-las de tal modo que uma criança perdida adquira, em deambulação ascendente, um centro moral e emocional: “um coração disciplinado”.

Em criança, David é adoptado pela sua excêntrica tia Betsie e por Mr Dick que se tornam os seus tutores. Tal como David, Mr Dick escreve as suas memórias, não para demonstrar que é um herói como o seu pupilo, mas para apelar à Justiça contra a família que quer interná-lo num manicómio e aliená-lo dos seus bens.

Infelizmente para Mr Dick (e felizmente para nós leitores), a sua obra não progride. Sendo uma pessoa “fora de comum”, como diz a tia Betsie (autista ou esquizofrénico, diria hoje o leitor avisado) Mr Dick não consegue manter a cabeça naquilo que está a escrever e o seu texto é invariavelmente invadido pela cabeça de um outro, neste caso, a cabeça decapitada do rei Carlos I. Perseguido por esta alucinação (que nunca é chamada alucinação no texto), Mr Dick é obrigado, vez após vez, a interromper a história da sua vida e a deixá-la incompleta e sem sentido. Tão frágil e insubstancial é o “sentido de si” de Mr Dick que – conta o narrador - ao encher as bochechas de ar corre o perigo de se apagar a si próprio.
Aqui, porém, surge o génio criativo de Mr Dick (e de Charles Dickens que soube criar esta personagem): ele junta os manuscritos abortados e constrói com eles gigantescos papagaios de papel que faz voar no ar para “disseminar a sua mensagem”. Esta magnífica imagem é eloquente de tudo o que a teoria da literatura da segunda metade do século XX irá problematizar: a materialidade do signo linguístico, a opacidade da linguagem, a resistência da palavra ao sentido, a deferência necessária de uma palavra para outra de modo a que cada termo faça germinar outro num processo de significação interminável. (Não é possível ignorar aqui que a obra seminal do filósofo contemporâneo Jacques Derrida, La Dissémination, contém inúmeras parecenças com Mr Dick, desde o uso do termo dissémination até às duas palavras com que o texto de Derrida começa: “Tête coupée”: “cabeça cortada”).

No romance de Charles Dickens, Mr Dick é uma figura secundária que serve de contraponto humorístico a David. David é um herói do século XIX e a imagem de si mesmo que deseja ver reflectida nos olhos do leitor está ancorada em ideais de auto-realização (self-made man) e de integração na sociedade. Por isso, a forma a que aspira é movida por ideais de unidade e de harmonia. Sob a tutela de Mr Dick, David pode cortar, reprimir e ignorar tudo aquilo que impede a progressão do seu relato e atirar ao ar (à linguagem...) os ruídos e as interferências de corpos decepados.

A arte do início do século XX vai valorizar Mr Dick sobre David, o objecto sobre a palavra, a resistência em vez da transparência, a estrutura da narrativa sobre a narração. Os papagaios de papel serão recuperados em formas novas: corpos vivos servirão de suporte para os signos e corpos mortos serão exibidos enquanto condensação máxima de (sem)sentido. A loucura será celebrada como uma abertura potencial da consciência e apropriada, tanto por artistas como por pensadores, para criar novos modos de ver e de falar. A arte de contar uma história, sobretudo se o enredo estiver modelado sobre um conto de fadas, será desvalorizada em prol do poema-objecto ou do romance novo e um livro como David Copperfield não encontrará espaço, nem nos programas académicos de literatura (convenhamos, o livro tem 855 páginas), nem nos cânones proclamados pelos críticos. Estes preferem os romances de Dickens que se encaixam nas teorias mais recentes: quanto menos parecidos com frouxos monstros empapuçados (“loose baggy monsters”), como dizia Henry James, e quanto mais bem estruturados, melhor.

David Copperfield é um destes monstros insuflados onde se atropela uma massa de seres maravilhosos que teimam, a cada momento, ofuscar o herói da história. Personagens inesquecíveis como Mr Micawber, Uriah Heep, Mr Dick ou Mr Omer surgem como genii da pluma do seu criador e, à semelhança da cabeça do rei Carlos I nas memórias de Mr Dick, tendem a destabilizar o enredo principal. Aliás, a ameaça de as coisas poderem perder a sua forma (“to tumble out of shape”) aparece várias vezes no romance, sempre ligado ao objecto do livro ou ao acto de escrever. E, de facto, a exuberante vitalidade das personagens secundárias em David Copperfield não se deixa conter em nenhuma forma, a não ser talvez em algo suficientemente solto e desprendido como um romance chamado David Copperfield. Ali, as figuras feitas de palavras são como as pessoas: nenhuma teoria as pode conter, nenhum diagnóstico pode confinar a sua transbordante energia.

É sabido como os artistas do Modernismo se inspiraram na arte das crianças e dos loucos para chegar a formas novas, formas despidas de “pré-conceitos” que levam a questionar os hábitos que subjazem as representações convencionais. O livro de John M. MacGregor, The Discovery of the Art of the Insane (1989) é eloquente a este respeito. (Tem sido por ter tido o privilégio de conviver de muito perto com uma pessoa que toma as representações à letra e que confunde palavras e coisas que o meu espanto perante as mais elementares trocas verbais não deixa de crescer e que privilegio “ousider literature”, formas literárias que lembram a fundamental vulnerabilidade das palavras e das coisas). Também sabemos que esta investigação tem atingido representações fundamentais, como a palavra “eu”, por exemplo, cujo conceito se tornou muito fluido e que, como Mr Dick, corre o risco de se apagar a soprar uma vela.

Ao ler um romance aparentemente convencional como David Copperfield somos relembrados que o “eu” vive graças a um outro que lhe chama “tu” num mundo que é de todos. Uma reflexão sobre o romance permite imaginar modos criativos de pensar a vida em que o “eu” não vive em oposição ao outro, mas na sua relação com ele. Tratar-se-iam de formas que atravessaram as explorações formais do Modernismo e que se deleitaram no mundo flutuante do Pósmodernismo para perceber a necessidade de uma nova reformulação da dimensão ética. Olhemos para Mr Dick, por exemplo, que graças à sua excelente caligrafia, é empregado como copiador de documentos legais. A reprodução mecânica de jargão legalista protege Mr Dick contra a alucinação. Mas como o bondoso empregador de Mr Dick deseja respeitar a sua compulsão de escrever as memórias, providencia-lhe duas mesas de trabalho, uma para a actividade de copiar, outra para o acto de criação. Mr Dick move-se entre as duas, correndo de uma mesa para a outra, ora copiando, ora criando, “like a man playing the kettle-drums”,“como um homem a tocar um tambor dividido ao meio como uma laranja”.

David Copperfield, porém, está sentado a uma só mesa, escrevendo um só texto. Ao contrário do seu protector, deve conciliar a actividade física de formar letras com os perigos inerentes à criação. (Recorda-se que David Copperfield era o romance preferido de Sigmund Freud que deu o nome da mulher de David, Dora, a uma case study). David é realmente o herói do livro, capaz de caminhar na corda bamba estendida sobre os excessos e aporias da vida. Mas para escrever a sua obra, o artista necessita da tutela de quem frequenta os abismos e eleva ao ar aquilo que ali vê e aprende. Mr Dick, David e os seus leitores disseminam a mensagem de que viver é um acto criativo que implica riscos em que estamos todos implicados, juntos. (3)


Marijke Boucherie

28 de Setembro de 2009
Notas:

1 William Shakespeare. Hamlet. Edição Bilingue. Tradução de António M. Feijó (Lisboa: Edições Cotovia, 2001) p. 103.
2 Tradução de Teresa Casal do original inglês:

3 Agradeço Alexandra Rosa, Ana Arêde, Daniela Gomes e Teresa Casal pela sua ajuda

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Rastos e marcas de quem fala por "outras palavras"

Domingos Morais
Escola Superior de Teatro e Cinema (IPL) e Instituto de Estudos de Literatura Tradicional

“O falar não é a única forma de linguagem”
João dos Santos (1)(1957)

Precisamos, de vez em quando, de recordar o que devia ser óbvio. Todos sabemos que nem só de palavras vive a comunicação entre humanos mas procedemos como se apenas fosse válido e pertinente o que podemos organizar em textos, orais ou de preferência reduzidos a escrita.
Somos assim levados a valorar quase exclusivamente o que somos capazes de dizer falando ou escrevendo, num processo que por vezes parece irreversível na construção de uma outra humanidade, em que os sentidos se especializam na tradução textual do que aprendemos pela luz, o som, o movimento, o tacto, os sabores e odores, a própria memoria dos afectos que nos vai construindo.
Outras formas de sentir e comunicar além da verbal e textual, insinuam-se, felizmente, a todo o momento, na vida de relação e na expressão pessoal de cada ser que precisa de agir e fazer para ser capaz de pensar, como Wallon (2) (1942) nos ajudou a compreender.
Mas pensamos como? Prevendo, antecipando, representando, fazendo, transformando, comunicando. Com tudo o que podemos e temos à mão, mobilizando o que sabemos e inventando o que não temos. E este pensamento/acção foi o que nos salvou (até ver) de desaparecermos da face do planeta.
Se nada nos tivesse empurrado para fora do Paraíso, quer na versão bíblica ou mais provavelmente pelas alterações de clima que nos deixaram há cerca de 16 milhões de anos (aos símios nossos antepassados) sem as acolhedoras florestas e a abundância de alimentos, não teríamos tido (os primatas sobreviventes) a possibilidade de nos construirmos enquanto espécie. Encontrámos na nossa fragilidade os impulsos de sobrevivência que podem explicar a singularidade de respostas que tanta dificuldade temos ainda hoje em aceitar.
Aos artistas, em magnânima cedência, é concedida a possibilidade de usarem ou mesmo inventarem novos usos e significados para as linguagens. Dos cientistas, espera-se a solução dos males que nos afligem, a previsão e antecipação do futuro, a procura da felicidade. E nesta dicotomia reside talvez a nossa dificuldade em compreender que uns e outros se complementam nos instrumentos e meios que usam.
Parece-nos poder afirmar que se há espécie que sabe o que é viver na “corda bamba”, é este bendito sapiens sapiens que encontra, nas fraquezas, força para engendrar soluções, experimentar instrumentos, cooperar q.b., quando a necessidade a isso obriga.
Uma das mais recentes adaptações (na escala de milhares de anos que nos separa da última glaciação) foi termos sido capazes de integrar nas comunidades quem era diferente, com uma genial premonição de que não sendo suficiente a selecção natural e a mutação genética para resolver as sucessivas desgraças que nos iam atingindo, não vinha mal ao Mundo se alguns eram muito altos e outros muito baixos, se alguns eram surdos e outros cegos, se algumas marcas, doenças ou deformações apareciam inexplicavelmente sem que delas houvesse memoria no grupo atingido.
Mas não devemos ficar por aqui na enumeração de diferenças e no que seria um dos mais aspectos que se revelaria essencial na construção de comunidades complexas. Longe ficava a deriva dos recolectores, cuja única especialidade deve ter sido aprenderem a safar-se dos predadores, que viam melhor, corriam mais, eram mais fortes e tinham os melhores territórios. O gesto preciso e instrumentado permitiu mudar a vida e criar algum conforto, a par com um crescente sentimento de que era possível prever ou evitar males futuros.
As marcas que fazemos e por vezes deixamos, nos objectos, na terra e nas pedras ou nos novos suportes (papel, tela, ficheiro de imagem) são para algumas pessoas a única forma de expressão e comunicação em que se sentem bem e nos conseguem fazer entrar no seu universo pessoal. Por vezes é pelo gesto transfigurado em movimento e dança (ou música) que essa corrente se estabelece.
E para cada um de nós o desafio da vida é, na sua singularidade, encontrar as vias e meios ou suportes em que se sente capaz de encontrar equilíbrio, resolver conflitos, buscar soluções para o que lhe importa, estabelecer pontes com os outros e ser capaz de ser aceite e sentir-se útil.

1 in “Fundamentos psicológicos da Educação pela Arte”, in Educação Estética e Ensino Escolar, Lisboa, Ed. Europa-América, 1966
2 WALLON, H. De l’ acte à la pensée. Paris, Ed. Flamarion

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Das dicotomias aos binómios: o despertar da “Ciência Nova”

Maria João Afonso

Professora Auxiliar da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Lisboa



Três “binómios” constituem mote para este texto: “equilíbrio – desequilíbrio, tensão – intenção, fusão – difusão”, binómios que o pensamento cientificamente treinado convida, desde logo, a equacionar como dicotomias.
As dicotomias são um bem precioso para a ciência! Sugerem distâncias, contornos nítidos entre conhecimentos, contrastes, estabilidades, certezas, verdades, leis, tudo aquilo que qualquer ciência que se preze de o ser desde há vários séculos almeja, na senda do saber matemático. E para assegurar que a ciência jamais perderia de vista tais propósitos, muito contribuíram os esforços de alguns pensadores. Descartes (1596-1650), um mal amado dos nossos dias (de quem até se diz, sem pudor, ter cometido erros) (Damásio, 1994/1995), é a este respeito incontornável. No seu Discurso do Método, publicado em 1637, descreve um modelo de condução da ciência que faz substituir a então vigente autoridade do “dogma” pela autoridade da “razão”, num movimento bem ilustrativo do emergir do “individualismo”, por reacção ao teocentrismo medieval (Van Doren, 1991/2007). E a autoridade da razão fundamenta-se num conjunto de “preceitos”, que configuram os princípios do chamado cartesianismo – a selecção escrupulosa das informações de que se parte, a análise ou decomposição de um problema nas suas unidades mais fundamentais, a ordenação sistemática do pensamento na elaboração progressiva do conhecimento, a partir dessas unidades fundamentais, a revisão minuciosa das conclusões procurando assegurar que o problema foi tratado de maneira exaustiva e coerente. Diz do seu projecto apenas pretender firmar-se “na certeza e remover a terra movediça e a areia instável para encontrar a rocha ou a argila” (Descartes, 1637, Parte 3).
Estavam lançados os fundamentos filosóficos da metodologia científica da era moderna que, juntamente com o materialismo de Hobbes (1588-1679) (que separa sujeito e objecto, mente e corpo, pensamento e matéria), a definição atomista da matéria por Newton (1643-1727) (todos os corpos são inertes e compostos de unidades fundamentais), o positivismo de Comte (1798-1857) (o primado da observação, da experiência sensível, sobre a imaginação) e o empirismo de Locke (1632-1704) ou de Hume (1711-1776) (todo o conhecimento provém da experiência, dos sentidos) lançam os grandes pilares do pensamento científico de hoje, e firmam a convicção de que a ciência é um acto de descoberta criteriosa e sistemática da “verdade” (Overton, 2002): primeiro, ao reduzir os fenómenos aos seus fundamentos objectivos (livres de interpretação) e observáveis (redução e descrição); segundo, ao determinar as suas causas (explicação); terceiro, ao induzir hipóteses, teorias ou leis que os governam (conceptualização). E se esta lógica do fazer ciência se modera através da substituição, mais tarde, da noção de “certeza” pela de “probabilidade”, incorporando a plausibilidade da dúvida – “a ‘verdade’ científica é provisória ou, por outras palavras, a ‘certeza’ científica é probabilística” (Miranda, 2001) – a mudança é muito mais de estilo do que de substância, pois que deixa a nu a ambição de atingir os 100% de probabilidade na aproximação da “verdade”, numa “busca adolescente pela certeza absoluta à custa da compreensão complexa” (Dewey, 1929 citado em Overton, 2002).
Esta a filosofia da ciência que inspira o nascimento da psicologia científica e determina, nos seus primórdios, e à semelhança de muitas outras ciências, o assumir da tarefa árdua da identificação exaustiva e classificação dos fenómenos que observa – o estruturalismo de Wundt (1832-1920) e Titchner (1867-1927), na busca das componentes básicas da experiência imediata (sensações, percepções e emoções) ou a concepção atomista de inteligência de Galton (1822-1911), na busca das variáveis moleculares de cuja medição resultaria a estimativa da genialidade, constituem tão só exemplos bem expressivos desta postura de investigação em psicologia.
E desta filosofia se alimentam também muitas dicotomias desta ciência. Tomemos algumas: a dicotomia “eficiência – deficiência” estabelece os contornos de grupos a que a sociedade dispensa lugares distintos e distintas funções sociais. A “observação objectiva” dos indivíduos, por meio de testes que se definem enquanto situações estandardizadas cujos resultados se querem independentes de factores contextuais, tidos por “parasitas”, ou de fontes de erro de medida, pretende a estimação de um hipotético “resultado verdadeiro”, e constituiu, desde o início do século XX, com Binet (1857-1911) e Simon (1872-1961), a principal metodologia da classificação da deficiência (e mais tarde também da eficiência) intelectual ou, por outras palavras, o mais comum critério social para a identificação de indivíduos com deficiência mental. Cedo se estabeleceu, assim, uma classificação, baseada em critérios estatísticos, para a distinção entre o défice mental e a eficiência intelectual (por exemplo, QI<70) e a concomitante classificação dos indivíduos, geralmente conducente à sua colocação em escolas ou classes diferenciadas, à sua estimulação diferenciada, à sua exposição diferenciada a oportunidades de experiência. Como esta dicotomia provém de uma outra, mais profunda e abrangente, que distingue a hereditariedade e o meio como factores explicativos das diferenças inter-individuais, importaria não esquecer que esses factores, no plano individual, não actuam independentemente, como muitos psicólogos ainda hoje admitem, ao procurar discernir em termos percentuais, aditivos ou cumulativos portanto, o peso relativo desses factores na eficiência intelectual. Se entendidos como fontes independentes de influência no comportamento, entre estes factores desde logo se estabelece, então, uma dicotomia que pretende a determinação estável, segura, inequívoca do “papel” da hereditariedade e do “papel” do meio na “determinação” do “nível” de inteligência. Em aberto permanece ainda hoje a compreensão dos mecanismos e das modalidades de interacção entre factores inatos e experienciais que, em última análise, contribuirão para explicar fenómenos como o dos chamados “idiots savants”, pessoas que apesar de as taxonomias da ciência estabelecerem que não atingem os critérios mínimos da classificação como intelectualmente “eficientes”, ainda assim demonstram competências cognitivas excepcionais, mesmo em termos estatísticos na população, em áreas como o raciocínio lógico-matemático ou a expressão artística.
A dicotomia “natura - nurtura”, como muitas outras antinomias que radicam na filosofia cartesiana (como “mente – corpo”, “sujeito – objecto”, “estrutura – função”, “indivíduo – sociedade”, “estabilidade – mudança”) apoia a construção de uma ciência psicológica fragmentada (Overton, 2002, 2006), emergente ou de uma visão do mundo (Pepper, 1942) formista – que entende o mundo como colecção de fenómenos apenas detentores de relações de semelhança entre si (e, como tal, classificáveis em taxonomias) – ou, quanto muito, mecanicista – que já admite a ligação funcional entre os fenómenos, à maneira das peças de uma máquina, mas sobressai as suas conexões meramente lineares ou mecânicas. Este o quadro que sustentou e estimulou a investigação experimental (estabelecimento de relações entre estímulos e respostas, entre variáveis independentes e dependentes, entre causas e efeitos), e que configurou, também, por muito tempo, a estrutura de referência da medição das diferenças inter-individuais, entendidas como diferenças quantitativas em dimensões ou traços psicológicos latentes, relativamente independentes entre si, comuns a todos os indivíduos, e estáveis em cada um, e por isso passíveis de classificação em estruturas taxonómicas das aptidões ou dos traços de personalidade.
Este formato de ciência procura, assim, acima de tudo, o equilíbrio, a estabilidade, o conforto das certezas, ou pelo menos das elevadas probabilidades de aproximação da verdade. Requer, portanto, a separação, a subdivisão do seu objecto, a classificação dos seus fenómenos, pelo que tende à difusão, à decomposição e dispersão decorrentes da atitude analítica. E remete, sobretudo, para o indivíduo, isolado e passivo, para a tensão que emerge de um funcionamento que é “causa” do comportamento, mais do que para a “intenção” que o colocaria, senhor de si, em contexto. Não surpreende que, neste quadro, a criatividade, por exemplo, fosse por muito tempo entendida como traço que, à semelhança de outros, “conduz” (e sublinhe-se o nexo causal linear) à manifestação de diferenças individuais no comportamento, estas quantitativamente avaliáveis e passíveis de classificação ou ordenação por referência a outras, no âmbito da abordagem psicométrica (diferencial) que prevaleceu neste domínio de investigação, até cerca dos anos 70 (Candeias, 2008).

Será tentador, sem dúvida, prosseguir estabelecendo um contraste entre a ciência assim caracterizada, e uma nova ciência emergente após a década de 70 do passado século! Tal contraste impõe-se, de facto, mas assumi-lo meramente como “contraste” acarreta precisamente (e paradoxalmente) o perigo do erro de reducionismo e fundacionalismo (Overton, 2002, 2006), ao sugerir a substituição do “equilíbrio pelo desequilíbrio”, da “difusão pela fusão”, da “tensão pela intenção”. Em vez disso, tomemos os três grupos de conceitos não já como dicotomias ou antinomias, mas antes como “binómios” – a diferença está em que deixam de definir noções mutuamente exclusivas e passam a balizar espaços ou totalidades complexas, que não só comportam os conceitos extremos e aproveitam o conflito emergente da sua consideração simultânea, como contemplam e integram os que eventualmente possam emergir entre eles, ou acima deles, pela sua integração num todo.
Diz-se desta outra maneira de pensar a ciência que é complexa, contextualista, e sistémica. Sem dúvida equacionar os conceitos ou ideias em ciência não como dicotomias, mas como binómios, convida a encará-los num nível de complexidade superior, abandonando a postura analítica (“elementarista”) e adoptando, em vez dela, as atitudes sintética (“holista”) e/ou sistémica (“estrutural” e “relacional”) (Reuchlin, 1995, 1999/2002). A diferença entre estas está em que a síntese tende a diluir as unidades constituintes e conduz a uma integração dos conceitos iniciais num nível superior de abstracção, nível que de novo suscitará o estabelecimento de novos contrastes (antíteses) e integrações (sínteses) – no que remete para um processo dialéctico de construção do conhecimento, radicado na dialéctica hegeliana e orientado por uma visão do mundo organicista (Pepper, 1942); ao passo que a sistémica promove as relações entre unidades ao estatuto de objecto de estudo, e ao fazê-lo renuncia à estabilidade, aos contornos nítidos entre os elementos da estrutura, pois que eles se sobrepõem, são inter-dependentes e se definem mutuamente, mas sem que percam a identidade. A sistémica assume a forma de uma dinâmica em que a todo o momento se estabelecem novas interacções que conferem à estrutura novas qualidades, e a vários níveis de observação, gerando constantemente novos contextos que por sua vez afectam, de novo a vários níveis, as interacções entre elementos – razão por que se orienta por uma visão do mundo contextualista (Pepper, 1942).
Ora, o contextualismo detém a grande virtude de abrir o conhecimento ao desafio da complexidade. Não mais se aceita o clássico paradigma científico, “filho fecundo da esquizofrénica dicotomia cartesiana e do puritanismo clerical” (Morin, 1990/1995, p.81), baseado em entidades fechadas que não comunicam entre si, antes se opõem, repelem ou anulam mutuamente (como substância, identidade, causalidade linear, sujeito, objecto, etc.), entidades que tomam contornos nítidos, firmes e estáveis. Pelo contrário, assume-se uma nova atitude, a que Morin (1921- ) chamou, na sua obra Introdução ao Pensamento Complexo (1990/1995), scienza nuova, atitude que não apenas coloca a tónica sobre a relação em detrimento da substância, mas também sobre as emergências, as interferências como fenómenos constitutivos do objecto. “Não existe apenas uma rede informal de relações, existem realidades que não são essências, que não são feitas de uma só substância, que são compósitas, produzidas pelos jogos sistémicos, mas todavia dotadas de uma certa autonomia” (Morin, 1990/1995., p.73, sublinhado do autor) (Afonso, 2007).
Que lugar, então, às dicotomias, tão caras à ciência psicológica clássica? Retome-se a dicotomia “eficiência - deficiência”. Em contexto, de imediato ambos os conceitos se articulam, posto que não representam categorias classificativas dos indivíduos, em função de critério dito “objectivo”, antes se relativizam no plano da interacção indivíduo – meio. A “eficiência”, ou a “deficiência” que ela por definição contém na sua própria essência, depende do jogo complexo entre factores individuais e contextuais, a cada momento, o qual por sua vez determina, também a cada momento, uma mudança na qualidade global de todo o sistema que dará origem, por sua vez, a novas interacções que de novo modificarão o sistema. A lógica não é simplesmente aditiva ou cumulativa – entre factores individuais e contextuais – é antes uma lógica multiplicativa (Ceci, Barnett & Kanaya, 2003), que configura um processo de mudança epigenética (não genética): novas características e novos níveis de funcionamento emergem, à medida que o indivíduo se modifica, se transforma, os quais não podem ser reduzidos às, isto é, completamente explicados pelas, características anteriores do organismo (Afonso, 2007).
A outra antinomia de nível mais profundo e abrangente em que esta radica – “natura – nurtura” ou “hereditariedade – meio” – toma, então, um carácter sistémico e não mais mecanicista. A noção de que o meio funciona como um descodificador do mapa genético do indivíduo (bem alicerçada numa lógica cumulativa, posto que apoiada em factores independentes), ganha um carácter mais instável e dinâmico quando é equacionada em termos relacionais e epigenéticos: a cada momento, a natureza das múltiplas interacções que se estabelecem entre factores em presença, em múltiplos níveis de observação, depende do estado actual do organismo, ou seja, de toda a multiplicidade de interacções anteriores, que constituem, na visão do mundo contextualista, parte do contexto que configura esse “episódio” de interacção (Pepper, 1942).
Aliás, a metáfora dos genes enquanto “programa”, de inegável inspiração mecanicista, é não só desafiada, desde os anos 90, por autores que assinalam a modelação da acção dos genes em função de variações no meio – a cada momento, a acção dos genes no comportamento modifica-se, em consequência de mudanças anteriores que determinaram o “estado actual” do organismo, e em função de mudanças no meio, introduzidas, também, pelo próprio organismo (Tooby & Cosmides, 1992 citados em Ridley, 2004) – como é posta em causa pela introdução de uma nova metáfora – a dos genes ou sequências de ADN enquanto “dados memorizados”, tratados pela rede das reacções bioquímicas emparelhadas do metabolismo celular, que desempenha, então, a função de programa; este processo dinâmico, que por sua vez interfere na selecção dos dados (das unidades de informação genética) pertinentes nas fases seguintes de processamento, afecta o funcionamento dos diversos órgãos, pelo que os seus efeitos são de seguida desmultiplicados, numa cascata de efeitos, a outros níveis de funcionamento (Atlan, 1999/2001). Apesar desta metáfora computacional, ainda enraizada na visão do mundo mecanicista, está-se perante uma concepção contextualista, posto que não são ligações lineares causais (“explicativas”) que determinam a expressão fenotípica da informação contida nos genes, antes o jogo complexo de interacções, a diversos níveis, que por sua vez também interagem entre si, entre os factores genéticos (cujo efeito não é pré-determinado, mas antes modelado pelo próprio processo metabólico em curso) e os factores do contexto, que se desmultiplica também em distintos níveis.
De facto, a noção de que o meio é tudo o que se situa “para lá” do indivíduo, e o indivíduo tudo o que se situa “dentro” dele é, ela própria, decorrente de uma concepção fragmentada e cartesiana da ciência psicológica. Na acepção sistémica, e muito em particular na óptica dos sistemas dinâmicos, o contexto situa-se em vários níveis de observação – por exemplo, o fisiológico é contexto do bioquímico que por sua vez é contexto do genético; mas o fisiológico tem o seu contexto na rede metabólica que envolve todos estes níveis e que é integrada pelo processamento neuronal; e este é, por sua vez, contextualizado por aqueles. Por outras palavras, o “contexto”, é toda a miríade de fenómenos em presença, e que directa ou indirectamente contribuem para determinado “episódio”, seja qual for o nível a que este é observado. Cada “episódio” desencadeia outros, porque a sua ocorrência afecta, inevitavelmente, todo o sistema. Este efeito multiplicativo (Ceci, Barnett & Kanaya, 2003), não já meramente aditivo, dos factores biológicos e ambientais entre si (factores cujos contornos se diluem, então, pois que a cada momento constituem, ao mesmo tempo, indivíduo e contexto), é completamente ignorado pela epistemologia cartesiana fragmentada, cega às dinâmicas relacionais que se estabelecem entre as unidades elementares do sistema, e vem a ser incorporado, apenas a partir dos anos 90, num modelo da inteligência humana – a teoria Bioecológica da Inteligência (Ceci, 1996) – e, em diversos modelos da área da criatividade (Candeias, 2008). Nestes avulta, para lá do carácter sistémico e integrativo, radicado numa visão contextualista, a noção de que “ser criativo” é acima de tudo uma “tomada de decisão” do indivíduo relativamente ao desenvolvimento de produtos criativos, decisão que depende de um conjunto de factores, incluindo a atitude, o investimento e as capacidades (Sternberg & Lubart, 1991).
Acrescentar a intencionalidade – o indivíduo decisor, que antecipa, que planeia, que estabelece finalidades – implica assumir uma outra visão do mundo, a visão selectivista. De acordo com Pepper (1966), esta nova visão do mundo pode ser entendida como uma revisão radical do contextualismo, sem o substituir: o indivíduo é um “sistema selectivo” que opera no sentido de procurar eliminar erros e acumular resultados correctos de acordo com os critérios adoptados pelo sistema. O selectivismo assenta nos três atributos distintivos dos sistemas altamente complexos, os sistemas do “nível humano” de Le Moigne (Durand, 1979/1992, pp.31-34): a imaginação, a consciência e a intencionalidade. Assumir uma visão do mundo selectivista em psicologia da inteligência, ou da criatividade, implica que a definição destes construtos e a sua investigação vá além da consideração dos aspectos internos do funcionamento cognitivo, dos aspectos contextuais desse funcionamento e até mesmo do assumir da interacção complexa entre as duas categorias de factores. Implica postular que a cada momento, e perante cada situação ou problema (no aqui e agora), o indivíduo humano tem o poder não só de perceber e conceptualizar a situação, mas ainda de reconhecer-se a si próprio na situação; de definir e gerir objectivos e finalidades; de controlar em alguma medida os factores pessoais e situacionais em presença (modificar-se a si, mas também ao meio); de identificar, a partir da experiência, alternativas de acção tendentes ao atingir dos objectivos ou, mais, criar novas alternativas quando as automatizadas não respondam às finalidades do indivíduo, ou às exigências da situação; de predizer, com grau de certeza variável, as consequências das suas acções e, em última análise, de decidir qual a acção “melhor” do ponto de vista da satisfação das suas necessidades e no contexto dos condicionalismos que a situação lhe impõe.
A visão do mundo selectivista de certo modo resgata o indivíduo da posição de “vítima” passiva da miríade e factores contextuais que o afectam, a diversos níveis (incluindo todos os classicamente entendidos como individuais), ao reconhecer-lhe o poder de gerir os seus próprios investimentos e recursos. Confere-lhe ainda o poder de “mudar” – de potenciar esses recursos, capitalizar as suas potencialidades, corrigir ou compensar os seus défices, em função dos seus objectivos pessoais e dos objectivos da cultura em que se move, uma formulação contemplada em algumas definições actuais de inteligência (Sternberg, 2001; ver Afonso, 2007). E encontra suporte na investigação neuropsicológica: de facto, quando se compara o cérebro humano com o dos primatas mais próximos, não se observam novas estruturas; o que difere, para além do coeficiente de encefalização superior (maior proporção volume do cérebro / volume do corpo), é a extensão do neocórtex, em particular dos lobos pré-frontais e das estruturas do sistema límbico que a eles se ligam estreitamente (Bjorklund & Kipp, 2002 citados em Afonso, 2007). Aos lobos pré-frontais é atribuído o controlo executivo tendo em vista assegurar o eficiente processamento de informação (filtrar informação irrelevante, dirigir e manter a atenção concentrada nas representações relevantes), a síntese de informação cognitiva e emocional, a monitorização do comportamento próprio e dos estados mentais dos outros, da identidade pessoal e da percepção dos outros, e o controlo do comportamento social em função das circunstâncias; a ele são atribuídas funções como o pensamento criativo, o planeamento de acções futuras, a tomada de decisão, a expressão artística, aspectos do comportamento emocional e social, a memória de trabalho, a “teoria da mente” (reconhecimento de mente nos outros), o controlo da linguagem e das funções motoras e o controlo do comportamento através da inibição dos impulsos (Beer, Shimamura & Knight, 2004, Bradshaw, 2002 e Bjorklund & Kipp, 2002 citados em Afonso, 2007). Ao nível neuropsicológico não só se identificam competências que podem ser tomadas como caracteristicamente humanas, como também se verifica uma estreita ligação entre essas competências “cognitivas” e níveis inferiores ou mais primitivos de processamento, como o processamento das emoções – nesta acepção, a inteligência depende do funcionamento de um cérebro entendido como “sistema de sistemas” (Damásio, 1999/2000, p.376).
Retomemos, agora, os três binómios “equilíbrio – desequilíbrio, tensão – intenção, fusão – difusão”. Não mais a estabilidade dos conceitos (equilíbrio), a sua natureza pulsional ou interna (tensão) ou a sua pulverização em modelos de raiz taxonómica ou mecanicista (difusão) satisfazem a compreensão dos fenómenos em toda a sua complexidade e riqueza. Esta complexidade apela antes à concentração na dinâmica entre conceitos aparentemente opostos, mas que não se excluem mutuamente nem se repelem, antes se combinam e se entrecruzam. Esta opção implica entender o funcionamento psicológico do ponto de vista do processo, evidência que se terá imposto a Piaget quando falou de “equilibração”, uma dinâmica que inclui e concilia, num modelo único (assimilação/acomodação), os equilíbrios e os desequilíbrios; implica também tomar como objecto todo um sistema de elevada complexidade, que envolve aspectos do funcionamento não controlados pelo indivíduo (tensões) mas que se utiliza também da sua capacidade de decisão, de controlo, pelo menos parcial, dos recursos que utiliza e do investimento que neles faz (intenções); implica, afinal, tomar em simultâneo diversos níveis de observação e explanação, desde os clássicos conceitos “elementares” (difusão), que não são excluídos mas integrados na análise do sistema, até aos níveis mais complexos e integrativos, nos quais esses elementos se cruzam, se interligam, se definem reciprocamente e integram (fusão).
A “ciência nova” apela a um novo quadro epistemológico – a metateoria relacional (relational metatheory) (Overton, 2006; Overton & Ennis, 2006). Esta emerge de uma visão do mundo como série de formas activas e em permanente mudança, e substitui as clássicas antinomias – como, por exemplo, natura-nurtura – por um holismo fluido e dinâmico que envolve conceitos como auto-organização, sistema e síntese de totalidades. Nega, por consequência, que o mundo seja decomponível em formas puras, fixas e fundamentais (suporte das antinomias) e recusa ao mesmo tempo o elementarismo, o reducionismo e o atomismo que caracterizam a metateoria fragmentada típica das ciências clássicas (split metatheory). Em interessante contraponto aos antes citados “preceitos” cartesianos, a metateoria relacional assenta em quatro princípios orientadores: o holismo (a identidade dos objectos ou dos fenómenos define-se no contexto relacional ou sistema no qual estão inseridos; o todo não é um agregado de elementos mas um sistema organizado e com capacidade de auto-organização, sendo que cada parte não se define a partir das suas “propriedades”, mas sempre a partir das “relações” com todas as outras partes do todo); a identidade de opostos (a identidade dos elementos não se estabelece a partir de contradições ou contrastes, mas enquanto polaridades de uma matriz relacional inclusiva em que os pólos se definem reciprocamente, cada pólo definindo e sendo definido pelo seu oposto, o que faz depender a sua identidade da própria indissociabilidade); os opostos da identidade (movimento no sentido de um “momento” de análise, em que de certo modo “figura” e “fundo” se invertem e, ao sobressair os contrastes, se estabelece exclusividade entre os pólos, que são encarados como complementares, como “pontos de vista”, “perspectivas”, nenhuma assumindo carácter absoluto ou fundamental); e a síntese de totalidades (consiste em mover-se para o centro do conflito e identificar um novo sistema que, porque coordena os outros dois, representa um novo nível estrutural e funcional emergente do conflito no nível anterior – síntese de opostos – sistema que constitui, por sua vez, um novo ponto de vista. No exemplo natura-nurtura, o sistema coordenador é, em psicologia, o “organismo humano”, a “pessoa” (Overton & Ennis, 2006, p.150).
Longe vai, nesta acepção, a ciência encarada como descoberta da “verdade”, com grau variável de “certeza” - absolutos que uma epistemologia relacional não pode aceitar. Ela constrói-se, em vez disso, na busca incessante de significado. Diferentes pontos de vista sobre os fenómenos ou conceptualizações distintas, eventualmente inspiradas por diferentes visões do mundo e assentes em metodologias de observação e tratamento de dados também diversas, coexistem, desde que cientificamente pertinentes, e socialmente relevantes (Miranda, 2001), não estando em causa decidir qual o ponto de vista privilegiado sobre um fenómeno. E é por ser um acto de construção de significado que a ciência tanto depende do contexto cultural e do momento histórico em que se desenvolve, do “espírito do tempo” (Zeitgeist) em que se constrói, que é, assim, parte integrante dos paradigmas de investigação, das teorias, dos conceitos, dos métodos de observação e dos métodos de organização dos dados de observação.
Este empreendimento não é fácil, há que reconhecer! Em vez da estabilidade dos conceitos e das teorias, em vez da consistência temporal dos fenómenos, em vez do conforto das elevadas probabilidades associadas às “rejeições da hipótese nula”, em vez da decomposição da variabilidade em componentes de variância associadas a factores isoláveis, a metateoria relacional impõe relatividade de conceitos, mudança permanente dos fenómenos e dos contextos que os definem e desconforto associado às incertezas, às dúvidas e à ausência de contornos nítidos, tudo incómodos inevitáveis ao adoptar esta forma de fazer ciência.
A “ciência nova” exige, enfim, do investigador, capacidade para resistir à ambiguidade, à mudança, à incerteza, à relatividade, à instabilidade. Capacidade para abandonar a promessa da “certeza absoluta” e enfrentar o espectro do “absoluto relativismo” (Overton, 2002). Numa expressão, exige-lhe que seja suficientemente flexível e criativo para trabalhar, com rigor, confiança e elegância, “na corda bamba”.

Referências:
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terça-feira, 4 de novembro de 2008

Criatividade e Deficiência Mental: a aceitação de algo único e especial

Carolina Correia Crispim
Psicóloga

Este artigo pretende abordar o desenvolvimento criativo como resultado do equilíbrio entre os aspectos intrínsecos do indivíduo e o contexto social em que se insere.
Serão explorados temas como a auto-determinação e a satisfação das necessidades psicológicas básicas, a motivação intrínseca e extrínseca e a percepção pessoal de cada um sobre as suas capacidades (auto-eficácia). Após uma breve análise de alguns factores que estão na base do processo criativo, iremos reflectir sobre a evolução da forma como a sociedade olhou para a pessoa com deficiência ao longo dos tempos e sobre a influência que essa visão teve sobre a educação para a criatividade da pessoa diferente. Por fim, haverá a partilha de um trabalho relativo à promoção da criatividade, realizado com um pequeno grupo de pessoas com deficiência mental onde serão discutidos alguns factores que entraram em jogo no processo criativo e alguns obstáculos e dificuldades observadas durante essa experiência.
Auto-determinação
Assumindo que o desenvolvimento da criatividade resulta do equilíbrio entre os aspectos intrínsecos do indivíduo e o seu contexto social, assumimos também que o ser humano é um organismo activo com uma tendência inata para o desenvolvimento, que luta pela mudança e pela integração das experiências num self coerente. Esta tendência humana de evolução não surge de forma automática já que necessita do meio envolvente para acontecer, ou seja, o contexto social pode reforçar ou diminuir a motivação e determinação de uma pessoa.
A auto-determinação é sem dúvida necessária para o desenvolvimento e funcionamento do indivíduo, podendo considerar-se essencial para a satisfação das necessidades básicas humanas (Deci & Ryan, 2000a; Deci & Ryan, 2000b).. É provável que, se as necessidades básicas não estiverem satisfeitas surjam desequilíbrios e disfunções a todos os níveis que se traduzam num processo criativo “defeituoso” ou impeçam inclusivamente que este aconteça. Por outro lado, se as necessidades básicas forem satisfeitas influenciam a motivação, persistência e energia que são aspectos importantes da activação e intenção que estão na base do comportamento criativo do indivíduo e da regulação cognitiva, biológica e social. No entanto, o movimento de acting out e produção pode derivar de uma motivação intrínseca ou de uma pressão externa, havendo pessoas que produzem por motivação genuína e de forma mais livre, com maior criatividade e persistência.
Ochse (1990) investigou os aspectos motivadores de pessoas que tinham dado grandes contributos criativos em várias áreas. Foram identificados alguns exemplos: a) o desejo de obter domínio sobre um dado problema b) necessidades de obter reconhecimento c) vontade de alcançar auto-estima c) vontade de descobrir uma ordem subjacente nas coisas. Os resultados mostraram que alguns reflectiam uma motivação intrínseca e que outros traduziam uma motivação extrínseca, mas também foi possível mostrar que muitas vezes se combinam mutuamente para fortalecer a criatividade. No entanto, a motivação intrínseca, centrada na tarefa, é de grande importância para a criatividade, uma vez que as pessoas estão muito mais propensas a responder criativamente a uma dada tarefa quando estão movidas pelo prazer de a realizar.

O Papel da Motivação no Desenvolvimento da Criatividade
Tal como já foi referido anteriormente, a motivação é fulcral para o desenvolvimento do potencial humano e existe no indivíduo desde o seu nascimento.
A manutenção da motivação e o seu crescimento ao longo da vida do indivíduo depende da presença de alguns factores contextuais como sejam, o feedback positivo do desempenho que conduz a sentimentos de competência, a liberdade de escolha e autonomia para tomar decisões, e a qualidade da relação e segurança que esta transmite.
O desenvolvimento da criatividade depende assim de um conjunto de factores que promovam a satisfação de três necessidades psicológicas básicas: competência, autonomia e pertença.
As directivas externas, a pressão da avaliação e os objectivos impostos conduzem na maioria das situações a uma diminuição da motivação e consequentemente a uma diminuição da criatividade. Estas condições externas observam-se em alguns meios onde as pessoas com deficiência estão inseridas, pois ainda existe uma visão redutora da capacidade da pessoa com deficiência em tomar decisões de forma autónoma o que tem como resultado, um controlo excessivo por parte dos pais e cuidadores de todas as áreas da sua vida. Esta situação contribui para o desenvolvimento de atitudes passivas, diminuição da autonomia de decisão, percepção de falta de capacidade (auto-eficácia) e auto-controle e em última instância contribui para o desequilíbrio mental.

Auto-eficácia
No que diz respeito às capacidades para agir e produzir, a verdadeira questão não será a sua inexistência, mas sim a percepção sobre se terão essas capacidades ou não. Num processo criativo, a intenção de resolver o problema e atingir o objectivo causa a tensão necessária que contribui para a criação. Pensa-se também que é necessário que neste período de tensão a pessoa seja capaz de acreditar que consegue atingir os seus objectivos, o que possibilita, fazer escolhas sobre a direcção da acção, estabelecer metas e impulsionar esforço e persistência na sua concretização.
A crença de que se é capaz de atingir os objectivos depende segundo Bandura (1986), da interpretação das experiências de sucesso anteriores como fruto das suas capacidades, da observação de sucessos sucessivos de modelos com características pessoais similares à pessoa que os observa, da comunicação credível e do feedback positivo que guie a pessoa durante a tarefa ou que a motive a dar o seu melhor e, um estado de humor positivo que reforce a percepção das suas capacidades. Quando estes factores estão presentes existe uma maior probabilidade de encontrarmos uma pessoa com vontade de aprender e correr riscos e disposta a ultrapassar todas as fases de tensão que envolvem o processo criativo.

A Visão da Pessoa com Deficiência
Discutidos alguns factores que participam no desenvolvimento da criatividade de um indivíduo, surge a vontade de enquadrar o tema na pessoa com deficiência, por ser uma característica pouco explorada em detrimento de outros aspectos como a inteligência e a autonomia. A distância entre criatividade e deficiência deveu-se talvez à evolução da visão da sociedade sobre as pessoas com deficiência, tendo estas passado por várias privações, que diversos autores consideram como fases.

Pereira (1984) afirma que a forma como a problemática das crianças ou jovens com problemas foi perspectivada ao longo dos tempos pode ser diferenciada em quatro fases.
Numa primeira fase, a da Separação, as pessoas com deficiência eram consideradas como possuindo capacidades sobrenaturais e, por esse facto, estavam separadas das ditas “normais”. Por vezes eram aniquiladas ou veneradas porque os seus problemas eram ligados ao sobrenatural e ao mágico provocando o medo e o afastamento da sociedade.

Numa segunda fase que se prolongou por toda a Idade Média, a da Protecção, apesar de muitas pessoas com deficiência serem consideradas possuídas pelo demónio outras começaram a ser protegidas pela igreja. Não lhes eram conferidos quaisquer direitos e eram colocadas em asilos, hospitais ou hospícios. Este período, considerado como a pré-história da Educação Especial, foi essencialmente asilar.

Posteriormente entrou-se numa terceira fase, a da Emancipação, que se iniciou por volta do séc. XVII, em França, com o ensino de surdos-mudos.
No séc. XVIII, surgem os primeiros trabalhos escritos sobre o tratamento médico de atrasados mentais e estabelece-se a distinção entre idiotismo e demência, segundo Veiga (2000). No decorrer desta fase iniciou-se a organização da Educação Especial, uma evolução da ciência e da medicina da revolução industrial e iluminismo.
Apareceram as escolas residenciais e o ensino dos deficientes. O pensamento pedagógico desta época caracterizava-se por uma instrução individualizada, instrução de skills funcionais, pela preparação meticulosa do meio ambiente da criança, com ênfase na estimulação e despertar dos sentidos da mesma e por uma recompensa imediata após uma correcta execução. Este período teve como característica principal o forte cariz assistencial aliado a algumas preocupações educativas. Defendia-se que a educação deveria ocorrer em ambientes segregados.

Durante o século seguinte, séc. XIX, aconteceu o desabrochar das grandes preocupações com a educação das crianças deficientes aliada a um aumento da influência médica e ao surgimento das teorias de Darwin. Desta forma, em alguns países como a Alemanha, Suíça, Estados Unidos e Inglaterra, são criadas as primeiras escolas para idiotas e Espanha lança a primeira lei que prevê a existência de escolas para surdos. Também Down em 1866 explica o mongoloidismo actualmente conhecido como Trissomia 21.
Os semi-internatos e as classes especiais surgem como alternativas para ajudar os pais de portadores de deficiência, devido à crise económica.

A atitude emergente de respeito pela diversidade promoveu a necessidade de atribuir direitos iguais à pessoa com deficiência, o que irá provocar grandes mudanças. Actualmente podemos afirmar que nos encontramos na fase denominada por identificação e ajuda.
Esta fase é caracterizada essencialmente pela integração das pessoas com deficiência. Segundo Bairrão (1998) o paradigma assenta na concepção de que todos os cidadãos têm os mesmos direitos, nomeadamente à educação e ao ensino, que devem adaptar-se às suas necessidades. Neste período, valoriza-se o potencial humano em detrimento do diagnóstico médico, como forma de mudança e integração.

Surge assim uma sociedade que, embora tenha uma identidade própria, costumes e cultura globalizantes, aceita a diversidade e expansão de cada indivíduo, não procurando converter a pessoa em «normal» mas sim, aceitá-la como ela é, com todas as suas características e diversidades, reconhecendo-lhe os mesmos direitos que a todos os outros.

Assim, a mudança gradual nas mentalidades em relação à pessoa com deficiência permitiu que esta passasse a ser vista em toda a sua complexidade, não só como uma pessoa com um baixo rendimento cognitivo mas também como um ser com potencial de desenvolvimento em várias áreas, como a criatividade.

Criatividade na Deficiência
A criatividade nas pessoas com deficiência tem sido um tema pouco tratado na literatura científica, no entanto tem havido cada vez mais necessidade, da parte das entidades que apoiam esta população, de desenvolver a sua criatividade pela significação que os processos e as realizações criativas têm para o desenvolvimento da subjectividade e para a saúde psicológica

A vontade de mostrar a evolução da intervenção com as pessoas com deficiência leva à partilha de uma experiência de exploração pela criatividade de um grupo de pessoas com deficiência.
Esta experiência teve como objectivos, desenvolver nestas pessoas competências de socialização e comunicação e sensibilizar a comunidade para as questões da deficiência e para o seu potencial criativo.

Concebido e realizado por 16 jovens com deficiência de uma Instituição de Solidariedade Social da zona de Sintra, o projecto teve três fases distintas e uma duração de 6 meses em 2007:

Na 1ª fase, o grupo de jovens decidiu após um processo de brainstorming, sensibilizar a comunidade envolvente para a necessidade de reciclar e reutilizar. através das suas obras construídas com objectos destinados ao lixo (caixas de ovos, tecidos, etc.).
Na 2ª fase, o grupo criou, semanalmente, objectos representativos de animais, num acto puramente criativo.
Na 3ª fase, distribuíram os objectos em vários pontos da comunidade, como a biblioteca da escola, a farmácia, o café, etc.




Durante esta fase, os jovens tiveram de estabelecer contacto com pessoas da comunidade no sentido de as sensibilizar para o projecto e ao mesmo tempo sensibilizá-las para o seu potencial criativo. Com esta experiência pudemos recolher reacções diversas da comunidade, na sua maioria receptivas e disponíveis, mas também houve situações de resistência em os receber e atitudes depreciativas dirigidas às suas obras em material reciclado.
As reacções menos positivas levam-nos a reflectir sobre o que ainda teremos de “lutar” pela mudança de mentalidades. pois ainda existem muitas pessoas que avaliam a obra criativa pelo indivíduo que a criou, julgando-o à luz de ideias preconcebidas e pouco realistas.

O trabalho criativo também fez suscitar nos artistas muitos momentos de ansiedade, receio da crítica e frustração pela obra criada, provavelmente porque durante anos não lhes foi promovida autonomia de pensamento, sendo excessivamente orientados em todas as suas acções pelos pais, educadores e meio envolvente mais próximo.

O objectivo deste trabalho foi o de proporcionar um ambiente de aceitação e valorização do indivíduo ao longo do processo de trabalho. Este meio facilitador conduziu a uma mudança na motivação e percepção de eficácia, dos indivíduos que ao longo das semanas se foram sentindo menos ameaçados pela crítica e revelando mais das suas habilidades criativas.

Este trabalho veio assim confirmar a importância do ambiente social de aceitação e do reforço da autonomia no desenvolvimento da criatividade e no bem-estar e equilíbrio mental, abrindo igualmente portas para a discussão do papel fulcral da motivação na satisfação das necessidades psicológicas básicas.

Conclusões
Este texto pretendeu mostrar que a visão sobre a criatividade sofreu grandes mudanças, especialmente a partir dos anos 70, tendo passado a dar-se maior atenção não só aos factores intrínsecos da pessoa mas também aos aspectos sociais, culturais e históricos, impulsionando desta forma uma perspectiva sistémica do fenómeno criatividade.
A criatividade resulta de uma tendência humana em direcção à auto-realização, segundo Carl Rogers, Abraham Maslow e Rollo May (e.g. Alencar & Fleith, 2003), mas depende também de um ambiente que propicie liberdade de escolha e de acção e reconheça e estimule o potencial para criar.
A diversidade cultural que existe entre os povos, como a língua, tradições, regras e formas de interacção, influenciam grandemente a expressão da criatividade, já que essa diversidade se manifesta na pluralidade e originalidade de identidades que caracterizam os grupos e sociedades tornando-se ela própria fonte de criatividade e inovação.
As políticas culturais que assegurem a livre circulação de ideias e obras e reforcem a sua difusão através de planos de comunicação interculturais, levarão a um fomento do desenvolvimento do potencial criativo dos seus membros e a um enriquecimento cultural a todos os níveis.
Numa sociedade mais aberta à diversidade, as pessoas com deficiência foram ganhando gradualmente algum espaço para se manifestar enquanto seres com vontade própria e potencial para criar. Há no entanto ainda muito a fazer nesta área, principalmente, na criação de intervenções específicas que promovam a sua autonomia de pensamento e os liberte de uma postura passiva e pouco crítica.
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